Publicado no blog da RADIO CRISTIANDAD FM (Arg)
Tradução de Jorge Luis
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Queridos amigos e benfeitores,
O Motu Próprio 'Summorum Pontificum', que reconheceu que a Missa tridentina jamais havia sido abolida, apresenta certas questões no que concerne ao futuro das relações da Fraternidade São Pio X com Roma.
Muitas pessoas, seja nos meios conservadores e inclusive em Roma, têm dito que, tendo feito o Sumo Pontífice um ato de tanta generosidade, e tendo dado - por isso mesmo - um sinal manifesto de boa vontade a nosso respeito, à Fraternidade já não lhe resta senão fazer uma só coisa: "firmar um acordo com Roma".
Alguns de nossos amigos, por desgraça, se têm prestado a este jogo de ilusões.
Queremos aproveitar a ocasião desta carta, publicada durante o tempo pascal, para recordar uma vez mais os princípios que guiam nossa ação nestes tempos problemáticos e assinalar alguns fatos recentes, que indicam bem claramente que, no fundo, fora da abertura litúrgica advinda com o Motu Próprio, verdadeiramente nada mudou, extraindo assim as conclusões que se seguem.
O princípio fundamental que dirige nossa ação é a conservação da fé, sem a qual - como diz o Concílio Vaticano I - ninguém pode salvar-se, nem pode receber a graça, nem pode ser agradável a Deus. A questão litúrgica não está em primeiro plano; não aparece senão como consequência de uma alteração da fé e, correlativamente, do culto devido a Deus.
No Concílio Vaticano II teve lugar uma notável mudança de orientação no que diz respeito à visão da Igreja, sobretudo em relação ao mundo, às outras religiões, aos estados, mas também enquanto a si mesma. Todos reconhecem estas mudanças; sem embargo, não são encarados da mesma maneira por todos.
Foram apresentados até agora como muito profundos, revolucionários; um dos cardeais do Concílio pôde dizer: "a revolução de 1789 na Igreja".
Quando ainda era cardeal, Bento XVI apresentava a questão da seguinte maneira: "O problema dos anos 60 consistia em incorporar os melhores valores de dois séculos de cultura 'liberal'. De fato, são valores que, ainda que tenham nascido fora da Igreja, podem encontrar um lugar - purificados e corrigidos - em sua visão do mundo. Isto é o que tem sido feito (revista 'Jesus', novembro de 1984, pág. 72).
Se impôs uma nova visão do mundo e de seus elementos em nome dessa assimilação: uma visão fundamentalmente positiva, que decretou não só um novo rito litúrgico mas também um novo modo de presença da Igreja no mundo, muito mais horizontal, mais presente ante os problemas humanos do que os sobrenaturais e eternos.
Contemporaneamente se transformava a relação com as outras religiões. Desde o Vaticano II, Roma evita todo juízo negativo ou depreciador das outras religiões. Por exemplo, a denominação clássica de "religiões falsas" desapareceu completamente do vocabulário eclesiástico. Também desapareceram os termos "hereges e cismáticos", que qualificavam as religiões mais próximas da religião católica; são eventualmente utilizados - sobretudo o termo "cismáticos" - como referência a nós. E o mesmo acontece com a palavra "excomunhão". O novo enfoque se qualifica como ecumenismo, e contrariamente ao que todos acreditavam, não se trata de um retorno à unidade católica mas da criação de um tipo de unidade que já não requer conversão.
A respeito das confissões cristãs se estabeleceu uma nova perspectiva, e ela é tanto mais clara em relação aos ortodoxos: no acordo de Balamand, a Igreja Católica se compromete oficialmente a não converter os ortodoxos e a colaborar com eles. O dogma "FORA DA IGREJA NÃO HÁ SALVAÇÃO" ao que alude o documento "Dominus Iesus" foi objeto de uma necessária reinterpretação à luz da nova visão das coisas: não se pôde manter este dogma sem expandir os limites da Igreja, o qual teve lugar com a nova definição da Igreja dada em "Lumen Gentium". A Igreja de Cristo já não é a Igreja Católica; esta subsiste naquela. Poderá dizer-se que uma subsiste na outra; sem embargo, se alega também uma ação do Espírito Santo e desta "Igreja de Cristo" fora da Igreja Católica... As outras religiões não estão destituídas de elementos de salvação... As "igrejas ortodoxas" se convertem em verdadeiras igrejas particulares sobre as quais se edifica a "Igreja de Cristo".
Estas novas perspectivas têm revolucionado evidentemente as relações com as demais religiões. Não se pode falar de uma mudança superficial; é claramente uma nova e profunda alteração que se pretende impor à Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, e que permitiu a João Paulo II falar de uma "nova eclesiologia", reconhecendo uma mudança essencial nesta esfera da teologia que se refere à Igreja. Não entendemos de maneira alguma - segundo podia pretender-se - que esta nova compreensão da Igreja estaria ainda em harmonia com a definição tradicional da Igreja: é nova, é radicalmente outra, obriga o católico a um comportamento totalmente diferente com os hereges e cismáticos que, desgraçadamente, os têm levado a abandonar a Igreja e trair a fé de seu batismo. A seguir, já não são mais "irmãos separados" mas irmãos que "não estão em plena comunhão"... e estão "profundamente unidos" a nós pelo batismo em Cristo, e graças a uma união indestrutível... O último domcumento da Congregação para a Defesa da Fé sobre o 'subsist in' é bem esclarecedor a este propósito. Afirmando claramente que a Igreja não pode ensinar novidades confirma a novidade introduzida durante o Concílio...
Outro tanto acontece na evangelização: se afirma em princípio o sagrado dever de todo cristão de responder ao chamado de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Ide por todo mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Aquele que crer e for batizado, será salvo; aquele que não crer, será condenado" (Mc 16, 15-16). Mas a seguir se afirma que essa evangelização não concerne mais aos pagãos, e por fim, não aponta nem aos cristãos nem aos judeus... Recentemente, a propósito da controvérsia sobre a nova oração pelos judeus, os cardeais Kasper e Bertone assinalaram que a Igreja não os converteriam.
Jutemos a tudo isso as declarações papais tendo como tema a liberdade religiosa; podemos concluir claramente que o combate da fé não mudou em nada nos últimos anos. O Motu Próprio, que trazia uma esperança de mudança no bom sentido a nível litúrgico, não é acompanhado das medidas logicamente correlativas em outros campos da vida da Igreja. Todas as mudanças introduzidas durante o Concílio e nas reformas pós-conciliares, as quais denunciamos porque a Igreja já as tinha condenado, são confirmadas; ainda que com esta diferença: de agora em diante se afirma ao mesmo tempo que a Igreja não muda... o que implica dizer que estas mudanças se situariam prefeitamente na linha da Tradição Católica.
O enredo a nível das palavras unido à afirmação de que a Igreja deve permanecer fiel à sua Tradição podem confundir a muitos. Mas enquanto os atos não corroborem as afirmações feitas, temos que concluir que NADA mudou na vontade de Roma enquanto a prosseguir com as orientações conciliares, seja o que fosse dos 40 anos de crise, de conventos despovoados, de igrejas abandonadas, de templos vazios. As universidades católicaspersistem em suas divagações, o ensino do catecismo segue sendo algo desconhecido, ao tempo que a escola católica já não existe como especificamente católica: se converteu em uma espécie extinta...
Eis aqui porque a Fraternidade São Pio X não pode "firmar um acordo". Nos alegramos francamente com a vontade papal de reintroduzir o antigo e venerável rito da Santa Missa, mas observa também a resistência - feroz em algumas vezes - de episcopados inteiros. Sem desesperar, sem impaciência, comprovamos que o momento de um acordo não chegou ainda. Isto não nos impede seguir esperando, continuar com o caminho fixado desde o ano 2000. Seguimos pedindo ao Santo Padre a anulação do decreto de excomunhão de 1988, persuadidos como estamos que fará um grande bem à Igreja; os condivamos para rezar para que isso aconteça. Contudo, seria muito imprudente e precipitado embarcar na concretização de um acordo prático que não se fundamentasse sobre os princípios fundamentais da Igreja, especialmente sobre a fé.
A nova cruzada do Rosário à qual lhes chamamis para que a Igreja volte a encontrar e retomar sua Tradição bimilenar exige também algumas precisões. A concebemos desta maneira: que cada um se comprometa a rezar o Rosário em uma hora certa do dia. Tendo presente o número de fiéis e sua distribuição no mundo inteiro, podemos estar seguros de que todas as horas do dia e da noite haverão vozes orantes e vigilantes, vozes que desejam o triunfo de sua celestial Mãe, o advento do reino de Nosso Senhor "assim na terra como nos céus".
+ Bernard Fellay
Menzingen, 14 de abril de 2008